Número 12 - Dezembro de 2008

Boletins SBCCV

Editores:
Walter J. Gomes – wjgomes.dcir@epm.br
Domingo M. Braile – domingo@braile.com.br

Prezados amigos

Este é o décimo segundo número deste ano do Boletim Científico da SBCCV, abrangendo tópicos de interesse clínico e cirúrgico.
Os artigos são apresentados em forma de resumo comentado e se houver interesse do leitor no artigo completo em formato PDF, este pode ser solicitado no endereço eletrônico brandau@braile.com.br
Ressaltamos que será bem-vindo o envio de artigos de interesse por parte da comunidade de cirurgiões cardiovasculares. Também comentários, sugestões e críticas são estimulados e devem ser enviados diretamente aos editores.

Para pedido do artigo na íntegra - brandau@braile.com.br

 

Estudo sugere que tanto revascularização miocárdica incompleta ou muito extensa podem ser deletérias.
Alamanni F et al for the Monzino OPCAB Investigators. On- and off-pump coronary surgery and perioperative myocardial infarction: an issue between incomplete and extensive revascularization. Eur J Cardiothorac Surg. 2008;34(1):118-26.

A revascularização completa do miocárdio é o objetivo a ser atingido na cirurgia de revascularização miocárdica. Neste estudo foi avaliada a influência da cirurgia de revascularização miocárdica sem circulação extracorpórea (RMsCEC) na ocorrência de eventos pós-operatórios, com
especial ênfase para os fatores de risco para infarto do miocárdio perioperatório. De 1995 a 2004, 5.935 pacientes foram submetidos a cirurgia coronária isolada; destes, 4.623 (77,9%) foram operados com CEC e 1312 (22,1%) sem CEC. Os pacientes submetidos a RMsCEC foram pareados aos pacientes submetidos à revascularização miocárdica com CEC por escore de propensão e utilizado análise de regressão logística para estudar modelos preditores de infarto do miocárdio perioperatório. Nos modelos pareados correspondentes, mortalidade pós-operatória, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e fibrilação atrial foram semelhantes entre os grupos, enquanto reoperação por sangramento, tempo de ventilação e de unidades de glóbulos vermelhos utilizados foram inferiores em pacientes submetidos a RMsCEC. O número de anastomoses distais foi menor nos pacientes submetidos a RMsCEC (2,2 ± 0,80 vs 2,9 ± 0,86, p<0,001), bem como a taxa de revascularização completa (61,9% vs 90,0%, p<0,001). Análise multivariada mostrou que tanto a revascularização incompleta como o número aumentado de anastomoses distais (mesmo quando controlado pelo fator de revascularização completa) foram preditores significantes de infarto do miocárdio perioperatório, enquanto a estratégia com ou sem CEC não teve influência.
Os autores concluem que a escolha da técnica cirúrgica não influenciou na ocorrência de complicações perioperatórias graves e de infarto do miocárdio, mas que os resultados foram afetados negativamente pela estratégia de revascularização incompleta ou demasiadamente extensa. Um maior número de anastomoses distais parece estar associado a taxas mais elevadas de infarto do miocárdio perioperatório. Isto sugere que uma estratégia de revascularização demasiado agressiva, com mais de uma anastomose distal feita por território isquêmico (descendente anterior, circunflexa, artéria coronária direita e sistemas) é prejudicial para o paciente. Esta observação confirma a apresentação de evidências anteriores, e se estende a re-análise dos dados do estudo BARI, que mostrou que revascularizações muito extensas em territórios não-DA aumenta o risco de óbito por infarto do miocárdio no seguimento.
Possíveis explicações podem ser um maior estresse ao coração devido a procedimentos mais longos, o possível acúmulo de falhas técnicas devido a um maior número de anastomoses ou fluxo competitivo.

Comentário – A revascularização incompleta do miocárdio é reconhecidamente capaz de afetar os resultados da cirurgia de revascularização miocárdica, mas a emergência destes dados em que os
resultados podem também ser afetados por revascularizações extensas demais deverá merecer estudos adicionais.

 

Diferenças em coagulação, fibrinólise e ativação plaquetária entre cirurgia de revascularização miocárdica com e sem circulação extracorpórea.
Vallely MP et al. Quantitative and Temporal Differences in Coagulation, Fibrinolysis and Platelet Activation after On-Pump and Off-Pump Coronary Artery Bypass Surgery. Heart Lung Circ, December 2008.

Com a crescente utilização da cirurgia de revascularização miocárdica sem circulação extracorpórea (RMsCEC), eventos tromboembólicos potencialmente devastadores, incluindo trombose de enxerto, podem tornar-se cada vez mais evidentes. Este estudo examinou as diferenças quantitativas e temporais do sistema de coagulação, fibrinólise e ativação plaquetária após cirurgia de revascularização miocárdica (RM) com ou sem circulação extracorpórea (CEC).
Em pacientes submetidos a cirurgias de RM com CEC ou sem CEC foram retiradas amostras sangüíneas antes da cirurgia e até 24 horas de pósoperatório e analisadas a ativação da cascata da coagulação (via do fator tecidual-fator VIIa), lesão endotelial (fator de von Willebrand), geração de trombina (fragmentos de protrombina FI + II), fibrinólise (diminuição dos níveis de plasminogênio), degradação de fibrina (Ddímeros), contagem de plaquetas e ativação plaquetária (P-selectina solúvel).
A cirurgia com CEC causou geração de trombina mais precoce e mais significante, porém a RMsCEC ocasionou geração mais tardia e sustentada da geração de trombina. A cirurgia com CEC causou ativação intraoperatória da fibrinólise e da degradação da fibrina, no entanto, após 24 h estes parâmetros estavam igualmente elevados em ambos os grupos. A ativação plaquetária foi significativa no grupo com CEC, não sendo expressiva no grupo sem CEC.
Concluindo, a geração tardia de trombina e fibrinólise reduzida na presença de plaquetas intactas e com bom funcionamento pode contribuir para eventos tromboembólicos adversos após a cirurgia de
revascularização miocárdica sem CEC. Profilaxia tromboembólica e terapia anti-plaquetária pode necessitar ser mais agressiva após cirurgia de revascularização miocárdica sem CEC.

 

Angiotomografia é capaz de descartar a doença coronária com confiabilidade, mas a especificidade ainda é problema.
Meijboom WB et al. Diagnostic accuracy of 64-slice computed tomography coronary angiography a prospective, multicenter, multivendor study. J Am Coll Cardiol. 2008;52(25):2135-44.

Este estudo prospectivo multicêntrico realizado no Centro Médico da Universidade Erasmus em Rotterdam, na Holanda procurou determinar a precisão do diagnóstico da cineangiocoronariografia por tomografia computadorizada 64-slices (CACG-TC) para detectar ou excluir doença arterial coronariana (DAC) significante (definida como redução do diâmetro luminal > 50%). Foram estudados 360 pacientes com sintomas anginosos agudos e estáveis e que foram encaminhados para cineangiocoronariografia (CCA) diagnóstica convencional. De nota, cada centro utilizou uma marca diferente de aparelho de TC: Sensation 64 (Siemens), Brilliance 64 (Phillips Medical Systems) e Toshiba Multislice- Aquilion 64 (Toshiba Medical Systems). Nenhum paciente ou segmentos coronários foram excluídos devido à qualidade da imagem. A prevalência entre pacientes de ter pelo menos uma estenose significativa foi de 68%. Na análise baseada em pacientes, a sensibilidade para a detecção de pacientes com DAC significante foi de 99%, a especificidade foi de 64%, valor preditivo positivo foi de 86% e valor preditivo negativo foi de 97%. Na análise baseada em segmentos, a sensibilidade foi de 88%, a especificidade foi de 90%, valor preditivo positivo foi de 47% e valor preditivo negativo foi de 99%. Os autores concluem que nos pacientes encaminhados para cinecoronariografia convencional, a CACG-TC 64 slice foi confiável para afastar DAC significante em pacientes com síndromes anginosas estáveis e instáveis. A CACG-TC frequentemente superestima a severidade da obstrução aterosclerótica e necessita novos estudos para orientar o manejo dos pacientes com DAC.

 

Resultados de morte e necessidade de nova revascularização em 3 anos iguais entre stents farmacológicos e convencionais.
Philpott AC, et al. Long-term outcomes of patients receiving drug-eluting stents. CMAJ 2009; DOI:10.1503/cmaj.080050. Available at: http://www.cmaj.ca.

Este estudo, utilizando dados do registro multicêntrico prospectivo da província de Alberta, no Canadá, procurou-se estabelecer a segurança em longo prazo dos stents farmacológicos (SF) comparado aos stents convencionais (SC).
O APPROACH (Alberta Provincial Project for Outcome Assessment in Coronary Heart Disease) (APPROACH) é um registro com informações clínicas detalhadas de todos os pacientes submetidos a cateterismo cardíaco na Província de Alberta. A coleta de dados para o registro foi iniciada em 1995, com os pacientes seguidos longitudinalmente para avaliação clínica, qualidade de vida e resultados econômicos.
Foram comparadas as taxas de morte e o compósito de morte ou revascularização repetida durante 3 anos de seguimento de 6.440 pacientes consecutivos submetidos à angioplastia com implante de stent farmacológico ou convencional.
Stents farmacológicos foram inseridos em 1.120 pacientes e stents convencionais em 5.320. Os stents farmacológicos foram mais utilizados para pacientes com mais comorbidades, incluindo diabetes mellitus (32,8% vs 20,8%, p<0,001) e doença renal (7,4% vs 5,0%, p=0,001). Em 1 ano de acompanhamento, os stents farmacológicos foram associados a uma mortalidade de 3,0%, em comparação com 3,7% com os stents convencionais (razão de chance 0,62, intervalo de confiança 95% [IC] 0,46-0,83).
A taxa dos compósitos morte ou revascularização repetida foi de 12,0% para o SF vs 15,8% para o SC (razão de chance ajustado 0,40, IC 95% 0,33-0,49). Durante os 3 anos de observação, os riscos relativos de morte e revascularização repetida variaram com o tempo. Em um ano, houve um período inicial de menor risco no grupo com stents farmacológicos do que no grupo com stents convencionais; mas isto foi seguido por uma mudança para melhores resultados favorecendo os
stents convencionais no segundo e terceiro ano.
Na conclusão, os stents farmacológicos são seguros e eficazes no primeiro ano após a inserção. Posteriormente, a possibilidade de eventos adversos de longo prazo não pode ser excluída.

 

Higiene dental básica e escovar bem os dentes reverte lesões ateroscleróticas.
Piconi S, et al. Treatment of periodontal disease results in improvements in endothelial dysfunction and reduction of the carotid intima-media thickness. FASEB J 2008;.

Vários estudos têm relacionado eventos cardiovasculares a doença periodontal. Em particular, a bactéria Porphyromonas gingivalis é associada com o desenvolvimento de placas ateroscleróticas.
Neste estudo foram verificadas se biomarcadores inflamatórios, moléculas de adesão endoteliais, marcadores de ativação leucocitária e espessura íntima-média da artéria carótida poderiam ser beneficamente modificados por tratamento periodontal sozinho. Trinta e cinco indivíduos saudáveis afetados por parodontopatia leve a moderada foram incluídos no estudo e submetidos a tratamento periodontal. Os resultados mostraram que os biomarcadores inflamatórios estavam aumentados no início do estudo e o tratamento periodontal resultou em uma redução significativa do total da carga bacteriana oral, que foi associado com uma melhora significativa dos biomarcadores inflamatórios e de adesão endotelial e de proteínas de ativação. Mais notavelmente, a espessura íntima-média das artérias carótidas foi significativamente diminuída após o tratamento. A redução da carga bacteriana oral resultou em uma modificação de um parâmetro anatômico responsável diretamente por aterosclerose. Esses resultados lançam luz sobre a patogênese da aterosclerose e pode ter implicações práticas para a saúde pública.

 

Qual a melhor prótese para substituição mitral?
Jamieson WR, et al. Mitral valve disease: if the mitral valve is not reparable/failed repair, is bioprosthesis suitable for replacement? Eur J Cardiothorac Surg. 2009;35(1):104-10.

A durabilidade da bioprótese mitral há muito se sabe ser inferior à da bioprótese aórtica. As técnicas de reconstrução/reparo são atualmente recomendadas para a maioria dos procedimentos da valva mitral. A escolha de próteses para os casos não-reparáveis não tem recebido a devida atenção no âmbito da literatura. O objetivo deste estudo foi analisar a durabilidade das biopróteses no caso específico de pacientes com valvas mitrais não-reparáveis ou com falência do reparo. A prótese Carpentier-Edwards (CE-SAV) foi implantada em 1.135 pacientes (1.175 operações) na troca da valva mitral (TVM), de 1982 a 2000. A idade média foi de 65,0 ± 12,1 anos e a média de acompanhamento foi de 6,4± 4,5 anos e 98,3% completo.
No grupo etário 51-60 anos, livre de deterioração estrutural da prótese (DEP) (real e atuarial) em 18 anos foi 56,0 ± 4,1% e 14,7 ± 5,8%; para a faixa etária 61-70 anos foi, em 18 anos, 69,6 ± 2,6% e 26,5 ± 5,9%, respectivamente. No grupo > 70 anos, com 15 anos foi 92,2 ± 2,0% e 69,0 ± 9,7%, respectivamente. Os preditores de DEP foram: idade, revascularização miocárdica concomitante e tamanho da prótese.
Os autores concluem que a bioprótese mitral porcina Carpentier-Edwards não pode ser recomendado como sendo representativa do tipo de prótese de escolha para os casos não-reparáveis ou de falência de reparo em pacientes com idade W 70 anos. A bioprótese CE-SAV mitral é satisfatória para implante em pacientes > 70 anos de idade. O desempenho clínico da CE-SAV é semelhante à das outras biopróteses mitrais.

 

Estudo sugere que o uso do shunt intracoronário é mais traumático que o garroteamento da artéria coronária em cirurgia de revascularização miocárdica sem circulação extracorpórea.
Hangler H et al. Shunt or Snare: Coronary Endothelial Damage due to Hemostatic Devices for Beating Heart Coronary Surgery. Ann Thorac Surg 2008;86:1873-1877.

A oclusão das artérias coronárias durante a cirurgia de revascularização miocárdica sem circulação extracorpórea acarreta o potencial de lesão endotelial. O objetivo deste estudo foi o de elucidar os efeitos dos dispositivos hemostáticos em artérias coronárias humanos, com o coração batendo, por meio de microscopia eletrônica de varredura. Artérias coronárias de 9 pacientes com cardiomiopatia dilatada e 13 com cardiopatia isquêmica submetidos a transplante cardíaco foram tratadas com shunt intracoronário ou garroteamento externo, com o coração batendo, após a canulação mas antes do início da circulação extracorpórea. Segmentos de artérias coronárias adjacente, mas não instrumentalizadas, serviram como controles.
Quase todos os segmentos das artérias coronárias manipuladas com o shunt exibiram lesão grave, com extensa denudação endotelial. Lesão endotelial foi significativamente maior após manipulação com shunt intracoronário, em comparação com dispositivos externos de oclusão (p<0,001) ou espécimes controle (p<0,001). Ruptura de placa foi aparente em 3 amostras do grupo shunt.
Os autores concluem que a manipulação de artérias coronárias humanas durante a cirurgia de revascularização miocárdica sem circulação extracorpórea leva a denudação endotelial e ruptura de placa. A partir deste estudo, concluem que a inserção de shunt intracoronário leva a grave denudação endotelial em artérias coronárias humanas. Por isso, recomendam a utilização de shunt apenas seletivamente no caso de isquemia crítica ou dificuldades técnicas devido a condições anatômicas durante a anastomose. O significado clínico desses danos estruturais deve ser investigado com testes clínicos.

 

Pacientes com colesterol total baixo e insuficiência cardíaca têm maior mortalidade.
Horwich TB, et al. Cholesterol levels and in-hospital mortality in patients with acute decompensated heart failure. Am Heart J. 2008;156(6):1170-6.

Na insuficiência cardíaca (IC) crônica, níveis baixos de colesterol total (CT) têm sido associados com aumento da mortalidade. No entanto, a relação entre níveis lipídicos e resultados na IC aguda não foi ainda estudada. Este estudo investigou a relação entre níveis de colesterol e a mortalidade intra-hospitalar em pacientes internados com IC aguda. O registro Get With the Guidelines-Heart Failure coletou prospectivamente dados de 17.791 pacientes internados com IC em 236 hospitais. A mortalidade intra-hospitalar foi examinada por quartis (Q) de níveis de CT (mg/dL) como segue: Q1 (CT > 118), Q2 (CT 119-145), Q3 (CT 146 -179) e Q4 (CT >180).
A média de CT foi de 150 ± 47 mg/dL. Pacientes com CT menor eram mais idosos e tinham maior prevalência de cardiopatia isquêmica. Dos pacientes, 46% estavam em uso de um medicamento redutor de lipídeos. A mortalidade intra-hospitalar no Q1 para Q4 de CT foi de 3,3%, 2,5%, 2,0% e 1,3%, respectivamente (P<0,0001). Em análise multivariada ajustada, cada aumento de 10-mg/dL no nível de CT foi associada com 4% de diminuição do risco de mortalidade intrahospitalar.
Na conclusão, em pacientes internados com IC, menores níveis de CT estão associados com aumento no risco de mortalidade intra-hospitalar.
Avaliações posteriores de nível ótimo de colesterol e influência dos medicamentos redutores de lipídeos nos resultados nesta população é justificada.
Potenciais mecanismos patofisiológicos por detrás dessa epidemiologia reversa do colesterol na insuficiência cardíaca, como desnutrição e inflamação, merecem estudos adicionais.


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